Em dia de rescaldo eleitoral, a mãe de P., um adulto com deficiência cognitiva, contou-nos que o filho lhe mostrou a intenção de querer votar, algo não habitual, e disse-lhe especificamente em quem: o senhor que está doente. P. não sabe de quem se trata, quais as suas propostas políticas, nem sequer que é, tal como ele, um benfiquista ferrenho. É tão-só um senhor doente que o tocou na sua sensibilidade, na ingenuidade de quem vê o mundo com pureza.
Do alto do seu mais de metro e oitenta, P. é um menino num corpo de um homem com H, respeitador de todos por igual, e mais ainda dos que envergam uma farda.
As mulheres, trata-as como «minha menina», abraça-as e beija-lhes a mão.
Um verdadeiro “gentleman”, sem segundas intenções.
Já outros, é o que se tem visto, e ouvido, ao longo dos últimos pesarosos anos.
P. conhece alguns rostos da televisão, e de alguns sabe-lhes o nome. Opiniões tem-nas do que vai ouvindo aqui e ali, de pessoas próximas ou conhecidas, sem as questionar. A sua deficiência cognitiva é-lhe inata, há, no entanto, quem prefira “adoptar” a cada vez mais apetitosa ignorância cognitiva, o pensamento preguiçoso e presunçoso, próprio de quem vive na caverna da alegoria de Platão, cego e mudo com o que se passa no exterior, ofuscado pela escuridão e intoxicado com o cheiro a naftalina que exala do cérebro.
Pensar é um acto de coragem, ousadia, liberdade. A tão temível liberdade que se perdeu nas brumas do conservadorismo bacoco depois de tantas décadas de triunfo.
Este regresso ao longínquo século das Trevas é consequência da falta de coragem em pensar, em questionar, daí que «alguns dos piores resultados do Chega acontecem em freguesias com maiores níveis de instrução», in Polígrafo – O primeiro jornal português de Fact-Checking.
Facto histórico, tudo o resto são factos histéricos.