Terça-feira, 29 Abril, 2025
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O TMG representou, como sabemos, uma “pedrada no charco”

O Teatro Municipal da Guarda, que agora assinala vinte anos de funcionamento,
corresponde a uma vontade coletiva de ter um equipamento cultural de relevo na
cidade. O velhinho Cine- Teatro tinha fechado e a atividade cultural (escassa no que
se refere à criação, mas já notória na programação) desenvolvia-se num pequeno auditório
municipal e noutros espaços com poucas condições técnicas. Na altura, uma das
prioridades do desenvolvimento da Guarda tinha a Cultura como um dos pilares e,
portanto, a obra avançou. Não me canso de elogiar quem teve a visão e a ambição
que levou a que a Guarda conseguisse erguer um equipamento cultural da dimensão
do TMG. Claro que, como sempre, foi preciso vencer a pequenez de algumas críticas,
que não conseguiam alcançar a importância de a Guarda ter em pleno funcionamento
um centro difusor de Cultura (e, não apenas, de entretenimento), com repercussão
regional, nacional e até transfronteiriça.
O TMG representou, como sabemos, uma “pedrada no charco”. A partir de uma
pequena cidade, oferecia-se uma programação de alta qualidade (durante alguns anos
foi considerada de “referência”), dirigida a vários públicos, usando diversas linguagens,
envolvendo a comunidade através de um serviço educativo, promovendo também as
criações originais com a participação de agentes culturais da cidade. A opção era ter
uma programação cosmopolita, numa dinâmica de continuidade, procurando
criativamente chegar a novos públicos. O facto de o espaço arquitetónico permitir
múltiplas utilizações ajudou muito. Como ajudou ter uma equipa técnica completa e
profissional (tão raro conseguir!), na área da programação, produção, mediação, som,
luz, etc. Mas, sobretudo, ajudou muito que as decisões políticas respeitassem a
competência e a necessária autonomia da direção artística. Ou seja, os políticos dessa
altura seguiram as boas práticas: espaços como o TMG não podem ser salões de
festas do poder; devem ser profissionais habilitados a dirigir os equipamentos
culturais, seja um Teatro, uma Biblioteca ou um Museu. Por outro lado, esses
equipamentos não podem ser geridos em obediência a qualquer “política de gosto”
deste ou daquele autarca; devem estar ao serviço da comunidade, pois são do povo
(por alguma razão, o TMG foi inaugurado por José Mário Branco, nas comemorações
do 25 de abril de 2005). Estes equipamentos cumprem um preceito constitucional:
garantir o acesso de todas e de todos à Cultura!
Seria fastidioso lembrar momentos importantes da primeira década do TMG; as
agendas estão à disposição. E, atenção, não foram só grandes espetáculos que se
apresentaram na cidade, mas também exposições e iniciativas comunitárias. Uma
programação de excelência, que fugia a uma certa ideia (infelizmente ainda em voga
junto de alguns responsáveis) de programação/agendamento “manta de retalhos”, sem
sentido nem coerência e, claro, sem dimensão ou intencionalidade culturais.
Estranhamente, ainda persistem alguns autodesignados “programadores” que não
sabem, mesmo, o que estão a fazer e, portanto, vão preenchendo os dias com
qualquer coisinha.
Naqueles tempos iniciais, o maior problema era o financiamento de tão intensa
atividade. O Estado central, que ajudou a construir a obra, não se envolvia nem se
solidarizava com as autarquias no que se refere aos custos associados a uma boa
programação. A Câmara da Guarda aguentou sozinha grandes encargos, mas não
desistiu. Agora, a situação é outra e mais positiva; existe a Rede de Teatros e
Cineteatros portugueses, a que pertencem 99 equipamentos do país. A RTCP tem
proporcionado ações de formação, estudo e reflexão, mas, sobretudo, permite o
acesso ao necessário e muito reclamado financiamento. Dezenas de Teatros usufruem desse importante apoio que, nalguns casos, é vital. Assim, os equipamentos de
referência passaram a ter possibilidades de reforçar qualitativamente a sua
programação, garantindo um verdadeiro serviço público de Cultura.
Nota mais pessoal: É para mim evidente que o facto de ter dirigido o TMG me deu experiência, conhecimento e resistência para dirigir, no quadro das minhas funções enquanto Diretor Geral das Artes, um mecanismo considerado fundamental para a afirmação das políticas culturais: a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses.

Américo Rodrigues, programador e diretor artístico do TMG, desde a sua fundação e até 2013. Diretor Geral das Artes desde 2019

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