Os últimos dados da operação “Censos Sénior” da GNR, relativos a 2024, destacam o distrito da Guarda como o que possui o maior número de idosos a viver sozinhos ou isolados em Portugal. Tendência que muito provavelmente não sofrerá grandes alterações nas próximas décadas e sobre a qual se exige uma séria reflexão, entre outras razões, pelo facto de a estes números assustadores estarem associados nomes, caras, histórias e necessidades várias.
Nos oásis comunitários que vão sobrevivendo neste Interior esquecido e estropiado, vulgo aldeias, e no que ao concelho da Guarda diz respeito, estas realidades são conhecidas e vão sendo solucionadas, quase sempre, pelos cada vez mais escassos funcionários que mantém abertas diariamente as Juntas de Freguesia. Funcionários “paus para toda a obra” e confidentes de todo o mal que lhes verga as costas: o carteiro que não chega com as cartas e as ameaças de corte de luz, água e telefone por falta de pagamento em consequência do caos em que se encontram os CTT; a exigência da regularização das dívidas via multibanco a cidadãos sem conta bancária; o atraso nas reformas e a inevitável vergonha de ficar a dever na farmácia e nos comércios, entre muitos outros problemas que diariamente são reportados, muitas vezes com voz embargada, pelos fregueses.
A revolta é mais que compreensível. Incompreensível é o silêncio, a ignorância – ou será incompetência? – de quem tem governado este país que, a julgar pelas políticas de centralização levadas a cabo ao longo de décadas, está cada vez mais plantado à beira-mar.
A macrocefalia populacional – concentração desequilibrada de população e actividades em poucas cidades, deixando outras áreas desfavorecidas –
do Litoral, o El-Dourado do português deslumbrado com um futuro solarengo e com sotaque menos saloio, afastou as famílias quase de forma irreversível. Depois dos filhos serão os netos e as gerações vindouras a quebrar os laços afectivos, a renegar tradições, a abandonarem as casas, cada vez mais degradadas, espelho do despovoamento e consequente desertificação, em nome de um futuro que, querem acreditar, lhes dá melhor qualidade de vida.
A vinda à “terrinha” faz cada vez menos parte dos planos dos que estão fora, até porque não fica barata a viagem, desde logo pelo preço das portagens e do combustível. Para trás ficam as festas em honra de uma qualquer divindade, a Páscoa, as férias, as visitas num fim-de-semana prolongado…. Vai sobrevivendo o Natal – seria pouco católico não celebrar a “festa da família”.
Por cá, continua quem se resignou ao abandono, engrossa as estatísticas e enche os bolsos de quem enriquece em nome da solidariedade. Esses, e os resilientes, o ombro amigo em que vão encontrando alguma protecção.
Daqui a uns meses, na hora de pedir a cruzinha no boletim de voto, talvez os idosos ganhem, não só, um nome como a promessa de uma excursãozita a um bonito local algures no Litoral.
*Natural de Gonçalo, Gabriela Marujo foi jornalista do Jornal Terras da Beira entre 1995 e 2023. Neste momento, é membro de uma associação que tem como objectivo principal a promoção da cestaria. Cultura, religião, sociologia e etnografia são as suas paixões.