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Homem, Empresário e Inquieto: Quando os Direitos das Mulheres São Atacados, Todos Devemos Falar

Vivemos um tempo em que o silêncio pode custar caro. Como empresário, habituado a lidar diariamente com decisões difíceis, produtividade, gestão de equipas e equilíbrio financeiro, aprendi a valorizar a clareza, a justiça e a responsabilidade social. Mas há temas que ultrapassam a esfera empresarial e tocam num ponto mais profundo: a dignidade humana. E, enquanto homem e profissional, não posso ignorar o que estamos a assistir em Portugal e no mundo — uma tendência cada vez mais evidente de retrocesso nos direitos das mulheres.

É desconfortável admitir isto, mas necessário. Disfarçados de reformas técnicas ou de ajustes laborais, vão surgindo propostas que silenciosamente corroem direitos conquistados com muito esforço e luta. Medidas que, na aparência, pretendem tornar o sistema mais eficiente, escondem — na prática — um impacto brutal sobre a vida das mulheres, particularmente das mães e cuidadoras.

Portugal, país que tanto se orgulha da sua transição democrática e dos seus avanços sociais, começa a alinhar-se com um movimento mais amplo, que atravessa a Europa e o mundo. Um movimento que reabre debates sobre o aborto, que relativiza a violência de género, que recua em políticas de igualdade. E agora, de forma subtil, que também restringe direitos ligados à maternidade, ao luto e à conciliação entre vida pessoal e profissional.

No meio deste panorama, lembro-me de uma conversa recente com duas mulheres que muito estimo, a Ângela e a Vera, numa daquelas tardes de café em que o tempo passa e as ideias crescem. Falávamos do desânimo de ver os direitos a recuar, de sentir que as conquistas estão a ser lentamente desmontadas. E mais do que isso, da frustração que senti numa palestra organizada na minha terra sobre a importância das mulheres no 25 de Abril — um evento onde, infelizmente, só eu e os oradores comparecemos. A ausência de público naquele dia foi um sinal claro do esquecimento que enfrentamos.

Também me recordo de outra palestra minha, sobre empreendedorismo feminino — o evento “Patroas” — onde a Célia Pereira falou abertamente deste ataque crescente aos direitos das mulheres. Foi uma conversa que reforçou ainda mais a urgência de estarmos alertas e mobilizados contra estas ameaças subtis mas reais.

No meio deste retrocesso, surgem propostas como a limitação da dispensa para amamentação aos dois anos da criança, acompanhada da exigência de atestados médicos regulares — como se o aleitamento prolongado fosse um privilégio ou uma excentricidade. Fala-se também em eliminar o direito a faltas por luto gestacional, como se perder um filho antes de nascer fosse uma dor menor. E discute-se a redução do acesso ao teletrabalho ou horários flexíveis para mães com filhos pequenos, num país onde as responsabilidades parentais ainda recaem, esmagadoramente, sobre as mulheres.

Estas medidas não são meros detalhes legislativos. São escolhas políticas. E como homem, não posso aceitar que o desconforto da maioria masculina com estes temas se traduza em apatia. Como empresário, não posso fingir que estas decisões não afetam o equilíbrio emocional das equipas, a saúde mental das famílias e a produtividade das empresas. Como cidadão, recuso-me a aceitar que avancemos em direção a um modelo que exige que as mulheres se calem para que o sistema funcione.

É verdade que há propostas com as quais concordo. A possibilidade de despedimento por justa causa em casos de baixas médicas fraudulentas, por exemplo, é uma medida de bom senso. Fraude é fraude. E compromete a sustentabilidade da segurança social, a justiça entre trabalhadores e a própria competitividade das empresas. Mas quando se tenta colocar, no mesmo pacote de “reformas laborais”, a eliminação de apoios essenciais à maternidade ou ao luto, estamos a misturar princípios com pragmatismo — e isso raramente termina bem.

Não é uma questão de esquerda ou de direita, de ideologia ou de sensibilidade política. É uma questão de decência. E é por isso que acredito que mais homens precisam de falar. Porque defender os direitos das mulheres não é “coisa de mulheres” — é uma responsabilidade de todos. Porque não basta garantir igualdade no papel se, na prática, vamos desmantelando os mecanismos que a tornam possível.

O mundo está a mudar. E a democracia, tal como os direitos humanos, não se desfazem de forma abrupta. Esvaziam-se lentamente, decisão após decisão, silêncio após silêncio. Se queremos que Portugal continue a ser um país justo, onde homens e mulheres possam viver com dignidade, liberdade e respeito, precisamos de estar atentos. E precisamos de nos posicionar.

Não escrevo este texto por militância. Escrevo-o por consciência. E porque, no final, nenhum bom empresário — nem nenhum bom homem — pode prosperar num país que falha com metade da sua população.

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